Rapaz de comportamento diferenciado, como
definem amigos e família, Guido Vidal França Schäffer faleceu aos 34 anos de
idade, enquanto surfava, no Canto do Recreio. Na ocasião, o jovem estava de
folga do Seminário de São José, onde estudava para tornar-se padre. O “anjo
surfista”, como definiu Manuel Arouca na biografia que escreveu sobre a vida de
Guido Schäffer, era, além de surfista e seminarista, clínico geral. Dedicou sua
vida e profissão ao cuidado para com os que necessitavam.
Guido nasceu em 22 de maio de 1974, e tinha
esse nome por causa do pai, Guido Manoel Vidal Schäffer. O pai recebeu o nome
por causa de Guido Fontgallant, um candidato francês à santidade. No dia 17 de
janeiro, durante a Trezena de São Sebastião, será aberto, na Arquidiocese do
Rio, um processo para a beatificação do jovem, que apesar de sentir-se carioca,
nasceu em Volta Redonda, onde a avó, que era obstetra, realizou o parto.
Se estivesse vivo, Guido completaria 41 anos
em 2015. Desde muito novo, seguiu o caminho de Deus. Filho de católicos
fervorosos, ele foi incentivado desde pequeno a participar e amar as atividades
da Igreja. Rezava diariamente o Ofício da Imaculada Conceição e fazia sempre
adoração ao Santíssimo Sacramento. O Terço de Nossa Senhora era um de seus
melhores amigos.
“Guido dizia que é da adoração que nasce o
amor aos mais pobres e aos irmãos. E dessa adoração que ele vivia fazendo
brotava aquele amor que ele tinha pelas pessoas”, destacou Maria Nazareth
França Schäffer, mãe do candidato aos altares.
O rapaz de sorriso aberto carregava consigo
um anel em formato de terço, que era sua “marca registrada”: ele rezava
diariamente em frente a uma imagem de Nossa Senhora que tinha na casa onde
morava, no bairro de Copacabana.
O jovem surfeista formou-se médico e ofereceu
sua profissão a Deus: começou a ajudar as irmãs Missionárias da Caridade no
cuidado com os moradores de rua. E isso fez com que ele descobrisse sua
verdadeira vocação.
“Como ele era uma pessoa de oração e de
contemplação inaciana, através do Evangelho do jovem rico, ele sentiu a
presença de Jesus. Porque Jesus fala: vai e vende tudo o que tens. E ele falou:
Jesus, eu não tenho nada no meu nome, usufruo de bens que são dos meus pais e
eu não posso vender. Ficou então em silêncio, e viu o diploma com o nome dele.
Sentiu que Jesus o estava convidando a doar sua medicina. Ele já trabalhava na
Santa Casa de Misericórdia, e quando viu por lá uma irmã Missionária da
Caridade colocou seus dons a serviço”, contou a mãe.
O túmulo do jovem, que ficava no Cemitério
São João Batista, em Botafogo, sempre foi muito visitado por pessoas que
tiveram a oportunidade de conhecê-lo. E foi pela aclamação popular que a Igreja
no Rio de Janeiro fez um pedido de abertura do processo para o estudo da vida dele
e comprovação de possíveis milagres.
Para Eduardo Martins, que estava surfeando
com Guido no dia de seu falecimento, em 1º de maio de 2009, Guido realizava
diariamente “pequenos milagres”: “Dizem que Deus se esconde nos detalhes. Eu
via no agir do Guido o amor a Deus. E se o milagre é uma manifestação de Deus,
eu via o Guido manifestando Ele em todas as oportunidades que tinha. Guido me
aproximava muito de Deus”, frisou o amigo.
Incentivador
De acordo com os relatos, Guido exercia
atração sobre as pessoas com as quais convivia. Eduardo, que emprestou a
prancha com a qual o seminarista foi surfar naquele fatídico 1º de maio, contou
que o convívio com o rapaz era, para ele, um desafio constante, porque Guido
colocava para ele diariamente, através do próprio comportamento, um novo
desafio.
“Guido sempre estava à frente. Até mesmo no
surfe, ele gostava de surfar ondas grandes, e eu não tinha tanta experiência.
Então foi ele quem me iniciou. Na fé era a mesma coisa: enquanto eu achava que
ir à missa aos domingos era suficiente, ele já estava rezando o terço todos os
dias, fazendo jejum”, contou Eduardo.
De acordo com o amigo, Guido se doava por
inteiro a tudo o que fazia, e esse amor instigava as pessoas que estavam ao
redor. Quando começou a trabalhar com moradores de rua junto às irmãs
Missionárias da Caridade, levou consigo muitos jovens da Paróquia Nossa Senhora
da Paz, em Ipanema, a qual frequentava.
“Todo o escritor gosta de escrever sobre a
história de um personagem que faz diferença, e o Guido Schäffer fez a
diferença. Impressionante como todas as pessoas que cruzaram com ele foram
tocadas para sempre. Como se ele fosse um raio de luz, um anjo vivo, uma
verdadeira bênção de Deus”, afirmou o autor de “O anjo surfista”.
Descoberta da vocação
Maria Nazareth contou que foi a proximidade
que teve com os doentes que fez com que Guido despertasse para a vocação
sacerdotal.
“Foi surgindo nele o desejo de uma entrega
maior. A princípio, fiquei um pouco espantada, porque eu achava que ele
continuaria a carreira acadêmica. Além disso, era praticamente noivo de uma
jovem dentista que participava desses trabalhos com ele. Fiquei me perguntando
se ele não estaria deslumbrado com duas viagens que fizemos a Roma, mas a
vocação era mesmo um chamado, e todos ficaram muito felizes pela escolha dele”,
ressaltou a mãe.
Aos 28 anos, Guido começou a estudar
filosofia no Mosteiro de São Bento, por conselho de Dom Karl Josef Romer, atual
diretor do Instituto Superior de Ciências Religiosas (ISCR). O bispo auxiliar
também o incentivou a fim de que aproveitasse o tempo livre para continuar o
trabalho que fazia junto aos pobres.
Morte
A mãe de Guido contou que em nenhum momento
teve sua fé abalada pela morte de seu filho. “Temos essa fé e sabemos que a
morte não é o fim, mas o princípio de uma nova vida. O que sofremos é pela
ausência da pessoa, pela saudade”, explicou.
Mas ela confessa que chegou a perguntar a
Deus o por quê d’Ele ter mandado Guido para o céu, uma vez que a Igreja precisa
tanto de padres na Terra.
“O padre Javier Pérez Enciso, quando Guido
faleceu, era nosso orientador nos exercícios espirituais de Santo Inácio.
Quando soube do meu questionamento, ele disse: “Nazareth, você tem que ajoelhar
e agradecer porque você deu à Igreja muito mais do que um filho padre, você deu
um filho santo”. Ele disse que tinha certeza disso porque foi orientador de
Guido e ele era uma alma santa”, frisou Maria Nazareth.
No dia em que morreu, Guido estava com
Eduardo, que escolheu fazer sua despedida de solteiro surfeando com os amigos.
Ele se casaria no dia seguinte. Emprestou ao ‘Guidinho’, como o chamava
carinhosamente, uma prancha que era, segundo ele, “especial”, porque tinha
escrita atrás a seguinte passagem bíblica: “Estreita é a porta, apertado o
caminho que leva à vida. Muitos tentarão, mas poucos conseguirão encontrá-lo
(Mt 7, 14)”.
Conselho de Jesus
“Uma vez quando ele tinha 6 anos de idade, na
hora de dormir percebi que Guido estava chorando. Fui saber o por quê. Ele
disse que tinha visto Jesus. Então perguntei como Ele era; o Guido me
respondeu: “Jesus é lindo, mamãe. Ele me disse para ser obediente aos meus
pais, frequentar a missa e prestar muita atenção no que o padre diz porque um
dia eu vou chamar meus amigos”. E isso foi algo que realmente ele fez”, contou
a mãe, ressaltando que anos depois ele se esquecera dessa visão que teve, mas
seguiu, mesmo sem lembrar, o conselho que recebera de Jesus na visão.
Pessoa marcante
Para as pessoas mais próximas, Guido dizia
que queria, se Deus permitisse, morrer surfeando. A mãe acredita que o jovem
era tão próximo de Deus que Ele havia concedido esse desejo.
Dom Roberto Lopes, vigário episcopal para a
Vida Consagrada, que atua como delegado arquidiocesano na causa de Guido,
acredita que o jovem é uma figura marcante porque pela primeira vez a Igreja
pode ter um santo que sustenta ao lado uma prancha de surfe. E isso é bom
porque inspira os jovens, mostra que todos podem ser santos e que essa atitude
de santidade é parte do cotidiano.
Maria Nazareth contou que de vez em quando é
parada na rua por pessoas que conheceram seu filho e têm alguma história bonita
para contar sobre ele.
“Eu tenho uma amiga que dizia que achava que
Guido gostava muito dela, talvez mais do que de qualquer outra pessoa. Mas
agora que eu descobri que ele gostava muito de todas as pessoas”, esclareceu.
A lembrança que Eduardo tem do amigo é a de
um grande mestre.
“No começo, a velocidade dele era muito alta
para mim. Mas aos poucos fui me acostumando com ele e depois tomei como um
desafio para minha vida acompanhá-lo na caminhada. E ele acabou se revelando
primeiramente um grande amigo e depois um grande mestre na fé”, confirmou o
rapaz.
Fonte:
http://arqrio.org/noticias/detalhes/2895/o-menino-que-viu-jesus
Nenhum comentário:
Postar um comentário