segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Presença paterna

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Nesta entrevista, o professor e escritor Luciano Rocha partilha a sua vivência familiar e ensina: “Aprendemos a ser pai, experimentando a paternidade no dia a dia”.
Testemunho de Fé - O que é ser pai?
Luciano Rocha - Ser pai é dom de cuidado, é envolver-se, estar disposto a “perder” a própria identidade em função do outro. Normalmente, as amigas de minhas filhas não conhecem meu nome. Sou o pai da Giovana ou o pai da Ana Clara. Ser pai, segundo as amiguinhas de minhas filhas, é estar atrelado à outra existência, é ser visto sempre em função do outro. Isso é muito interessante, pois o olhar atento de pessoas tão pequenas aponta para nosso lugar na vida de nossos filhos. Ser pai é viver a vida do outro e torná-la a razão de sua vida. Assim, o que era um se torna mais, vira dois, três, é dom de multiplicar, e é no cuidado com o outro que nos descobrimos ‘pai’.
TF - O que tem sido mais gratificante?
Luciano - Primeiramente, o sorriso. Ninguém te recebe em casa com mais espontaneidade que seus filhos. Todo pai é importante para seus filhos. Na figura do pai esconde-se o sentido da proteção e do cuidado. Nossas crianças pequenas olham para nós como aqueles que podem absolutamente tudo, mas, principalmente, somos aqueles que eles confiam plenamente. Em um segundo momento, diria que é gratificante ver prosperar o sorriso na vida que se desenvolve. Ver os filhos crescerem, crescer junto, estar junto e dividir com eles seus problemas, alegrias, vitórias e frustrações também faz parte da arte de ser grato. Sou grato por poder ser pai, pelo simples fato de ver o grande milagre da vida acontecendo diante de meus olhos.
TF – O que tem sido mais desafiador?
Luciano – Educar é um desafio, certamente. Sempre foi, porém, atualmente, há múltiplas fontes de formação que não existiam no passado. Há pouco tempo nossas casas tinham um telefone, que ficava na sala. Hoje temos computadores, celulares, smarts de todos os tipos, centenas de canais de TV que informam o tempo todo nossos filhos. Nem sempre esses meios de comunicação passam os valores que desejamos transmitir. Precisamos educar para a cidadania, para o respeito ao próximo, para os valores humanos, a fim de gerarmos pessoas saudáveis para nossa sociedade, tão carente de valores e de exemplos.
TF – O que um homem deveria saber antes de ser pai e o que aprende depois?
Luciano – Antes de ser pai, nossa referência é sempre nosso pai. Então, dependendo da família que trazemos em nós, essa imagem e seu sentido muda bastante. De modo geral, para ser pai precisamos entender que isso não é pouca coisa. É dever de cuidado, de doação, de ternura e aconchego. Quem quer ter um filho deve abrir mão de si, de seus desejos e vontades, para viver no outro, para o outro, com o outro. Precisamos de pais que se sintam chamados, vocacionados à paternidade. Ser pai é sempre participar da paternidade de Deus, o Pai por excelência, que tudo gerou, formou sem exigir nada em troca, só por amor. Devemos saber que ser pai é comprometer-se para toda a vida com outra pessoa. Não se troca de pai como se troca de roupa. Seu filho será sempre seu filho. É preciso se comprometer. Estar junto e deixar a vida acontecer no cuidado cotidiano. Com o tempo aprendemos que nossos filhos querem apenas isso: a presença por presente. Estar junto é viver a arte de ser pai. Todos os brinquedos do mundo e bela casa, em si mesmas, são apenas coisas que se amontoam ao redor da criança. A figura do pai agrega valor na brincadeira, no jogo, na alegria e, principalmente, na vida vivida. Com o tempo se aprende que ter brinquedo não significa brincar e que a verdadeira brincadeira, que para a criança é coisa séria, se dá na presença do outro. Ser pai é, simplesmente, estar ali e ser junto. Aprendemos a ser pai experimentando a paternidade no dia a dia.
Fonte: www.ArqRio.org

TF – Que renúncias são necessárias para viver a paternidade de forma saudável?
Luciano – Vivemos em um tempo que a palavra renúncia parece incompatível com nosso desejo de felicidade. Renunciar é anunciar sempre e de novo nossa escolha. Escolhi ser pai. Então, sempre devo afirmar minha vontade de fazer o outro feliz. Não há paternidade sem renúncia, sem abrir mão das velhas baladas, do futebol com os amigos e do barzinho no fim de tarde. A vida ganha, certamente, outras cores com a chegada de uma criança. Festas infantis, amigos com filhos da mesma idade, programas em família no parque, passeios de bicicleta e jogo de futebol onde você sempre leva o gol. A vida ganha novas cores. Renunciar a algumas coisas significa também se abrir a outras. Renúncia não significa aniquilação. Nunca uma renúncia significa negação. É sempre afirmação de nova realidade, bem mais colorida.
TF – A família é uma ideia genial de Deus. O que é preciso fazer para não se deixar influenciar por pensamentos contrários?
Luciano – A família não está em crise. As pessoas se casam. As pessoas têm filhos. A crise está na vivência dos valores, principalmente dos valores de Deus. A falta de valores tem levado à falência pessoal e também familiar. O individualismo e a busca desenfreada pela satisfação pessoal colocaram o viver familiar como algo relativo, por vezes, oposto à “felicidade” do indivíduo. Acreditamos no discurso neoliberal de felicidade consumista e, assim, nos relacionamos em família. Primeiramente, devemos voltar nosso olhar a Deus. Orar mais, buscar intimidade com o Senhor e aplicar em nossas vidas os ensinamentos e as palavras de Jesus. Depois, olhar para os que estão à nossa volta e termos para com eles os mesmos cuidados que Deus tem para conosco. Família é lugar de cuidado, de convívio, de doação, de amor gratuito. Isso não significa deixar de ter problemas. Mas, quando somos capazes de sairmos de nós mesmos e irmos ao encontro do outro (Deus, esposa, filhos, parentes,...) aprendemos a construir juntos, a dividir os problemas e a multiplicar as soluções. Só na vivência do amor (e isso implica em renúncia e doação) seremos capazes de reconhecer o valor da vida em família.
TF - Como conciliar a vida espiritual, familiar e profissional de forma que exista equilíbrio e harmonia? 
Luciano - As exigências do mundo são grandes. O trabalho consome grande parte de nosso tempo. É preciso, então, valorizarmos o tempo que temos. Fazer com que os momentos em família sejam preciosos, plenos em si mesmos. Precisamos ter prazer de estarmos juntos. Isso é cultivo, é trabalho de amor. Fazer florescer a vontade de amor na arte do viver em família. Se meu tempo é curto... Vou viver ainda com mais intensidade meus momentos familiares. Quando estou em família devo me dedicar a ela, a meus filhos, ser só deles, estar inteiro com eles. Precisamos entender que não é o dinheiro que vai trazer felicidade, nem, tão pouco, seu lugar social ou profissional. O único lugar que nunca vai vagar é o de ser pai. Esse não está disponível às substituições. Mais que presentes os filhos querem presença. Quem entendeu isso já aprendeu o que é ser pai.

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