A Solenidade de Cristo Rei foi instituída
pelo Papa Pio XI em 1925, através de sua Encíclica Quas Primas. Quando da
sua instituição, esta festa era celebrada no último domingo de outubro, antes
da Solenidade de Todos os Santos. Depois da reforma litúrgica passou para o
último domingo do tempo comum, mostrando assim que tudo deve se dirigir para
Cristo, alfa e ômega, isto é, princípio de fim de todas as coisas. Este sentido
da Solenidade pode ser captado pela oração coleta: “Deus eterno e
todo-poderoso, que dispusestes restaurar todas as coisas no vosso amado Filho,
Rei do Universo, fazei que todas as criaturas, libertas da escravidão e
servindo à vossa majestade, vos glorifiquem eternamente”.
Este texto eucológico[1] apresenta, em primeiro lugar, o sentido da Solenidade de
Cristo Rei: o desejo eterno do Pai de restaurar todas as coisas em Cristo. Isto
nos remete para o texto de Ef 1,10, onde Paulo fala que o desejo do Pai é
justamente esse: “recapitular” todas as coisas em Cristo. Esta eucologia
inicial apresenta, ainda, um pedido: que todas as criaturas, libertas da
escravidão, possam glorificar eternamente a Deus. Esse pedido, por sua vez, nos
traz à mente Ef 1,12, onde Paulo afirma que a finalidade da nossa existência é
servirmos ao “louvor” e à “glória” de Deus.
Neste ciclo de leituras do Ano C, que estamos
para encerrar, a primeira leitura que nos é apresentada é 2Sm 5,1-3: a unção de
Davi em Hebron. Davi, que já havia sido ungido por Samuel na sua juventude (1Sm
16,1-13) e pelos anciãos de Judá na mesma cidade de Hebron (2Sm 2,1-4), agora é
ungido também pelos anciãos de Israel e sua realeza é reconhecida por todo o
povo.
Davi se tornará, aos poucos, o protótipo do
rei perfeito que, apesar de suas fraquezas, soube manter a aliança com Deus
intacta. Não é à toa que Deus lhe fará uma promessa em 2Sm 7,12-13
garantindo-lhe perenidade do governo do povo de Israel: E quando os teus
dias estiverem completos e vieres a dormir com teus pais, farei permanecer a
tua linhagem após ti, gerada das tuas entranhas e firmarei sua realeza. Será
ele que construirá uma casa para o meu Nome, e estabelecerei para sempre o seu
trono.
O Salmo 121 que rezamos nessa liturgia da
Palavra canta a alegria do povo que sobe ao Templo, que vai a Jerusalém para
ver a “sede da justiça” e o “trono de Davi”. O povo sempre esperou, sobretudo
depois do fim da monarquia, que Deus lhes enviasse um “Messias”, um “rei” que
fosse como havia sido Davi, para ocupar de novo o trono para ele reservado.
Deus realizou sua promessa e enviou um novo
Rei. Contudo, o Rei enviado não era segundo as expectativas do povo. Era da
linhagem de Davi, mas não veio como soberano de um reino que é deste mundo. É
significativo que o Evangelho de hoje seja um trecho da paixão segundo Lucas. A
paixão de Jesus em Lucas ocupa os cc. 22-23 e hoje a liturgia nos apresenta o
trecho de 23,35-43. Poderíamos dividir esse texto em duas partes:
vv.
35-38: dúvidas a respeito da realeza/messianidade de Jesus
vv.
39-43: Jesus confirma seu reinado
Os vv. 35-38 colocam em cena dois grupos: os
chefes e os soldados. Dos chefes, diz-se que “zombavam” de Jesus. Duvidavam da
sua messianidade, dizendo: Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de
Deus, o Escolhido! “Cristo” não é um sobrenome de Jesus, mas um título.
“Cristo” significa “Ungido” e é a tradução grega do termo hebraico “Mashîah”,
donde o termo “Messias”. Eles duvidavam que Jesus fosse o “eleito” de Deus. Dos
soldados que afirma que também “caçoavam” de Jesus, e uma frase semelhante a
dos chefes sai de seus lábios: Se és o rei dos judeus, salva-te a ti
mesmo. Até o mesmo o letreiro posto sobre a cruz de Jesus era um sinal de
zombaria: Este é o Rei dos Judeus.
Nestes primeiros versículos podemos perceber
a repetição da frase Salve-se/Salva-te a ti mesmo. Eis os soldados e os
chefes exigindo de Jesus uma prova da sua realeza e da sua messianidade: que
Ele “salva-se” da cruz. Ele, o Cristo, não veio para “salvar-se a si mesmo”.
Não era Ele quem precisava de salvação, mas sim a humanidade caída no pecado.
Ele não “salvou-se da cruz”, para “salvar-nos pela cruz”. A sua cruz foi o
instrumento da nossa salvação e o trono de glória d’Aquele que não é rei
segundo esse mundo e nem desse mundo, mas que é Rei dos Reis e Senhor dos
Senhores e veio para abrir-nos as portas de um reino novo e sem fim.
Na segunda parte do evangelho temos a
confirmação que Jesus faz de seu reinado nos vv. 39-43. Se na primeira parte
tínhamos Jesus entre dois grupos – os chefes e os soldados – agora temos Jesus
entre duas personagens individuais: os dois ladrões que o ladeiam na cruz.
Interessante notar que, nos vv. 35-38 os dois grupos concordam em zombar de
Jesus; aqui, no entanto, é só um dos ladrões que o “insulta”, mas que isso, que
“blasfema” contra Jesus: Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós! Mais
uma vez a dúvida a respeito da messianidade de Jesus e a exigência de uma
prova: Salva-te a ti mesmo e a nós. Agora a exigência do sinal inclui
também a salvação dos dois ladrões, uma vez que eles acreditam que a “salvação”
que Jesus pode trazer é uma mera “libertação temporal” das tribulações. Não
será Jesus quem irá responder à essa blasfêmia, mas o outro ladrão, que dirá: Nem
sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação? Para nós, é justo,
porque estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal. Mas
que uma defesa de Jesus, o ladrão fez uma confissão, no mais pleno sentido do
termo. Confessou o seu pecado e a glória de Jesus, ao afirmar a inocência dele: mas
ele não fez nada de mal.
Os vv. 42-43 nos colocam diante de um
colóquio decisivo entre este ladrão arrependido e o próprio Jesus. Ele, o
ladrão, quer que Jesus se “lembre” dele quando estiver em seu reino. Em todo o
trecho ouvido hoje, somente aqui e por este ladrão arrependido Jesus é reconhecido
como aquilo o que verdadeiramente Ele é: um Rei! Contudo, para expressar que o
seu Reino não é deste mundo, Jesus afirma que eles estarão juntos, ainda
naquele mesmo dia, mas no “Paraíso”!
Nosso Senhor Jesus Cristo é verdadeiramente
rei, mas não se equipara aos reis deste mundo. O seu trono é a cruz e Ele
reinou servindo e oferecendo sua vida por nós, realizando, como afirma a
segunda leitura, a paz pelo sangue da sua cruz (cf. Cl 1,20).
Nós somos chamados a reinar com Ele. Na
segunda leitura Paulo convida os cristãos de Colossos a “dar graças”, ou seja,
“a fazer sua Eucaristia – ação de graças” ao Pai, porque Ele nos libertou
do poder das trevas e nos recebeu no Reino do seu Filho amado. O Pai abriu-nos,
em Cristo, as portas do Reino. Na Igreja já vivemos de modo antecipado a vida
do Reino. Quando celebramos a liturgia, já nos unimos àquela liturgia celeste
que se celebra nas moradas eternas. Já reinamos, de certo modo, com Cristo, e
esperamos ansiosamente aquele dia em que estaremos para sempre em seu Reino.
Contudo, se de certo modo “já reinamos com
Cristo”, será que podemos dizer que aprendemos também a “reinar como Cristo”?
Em sua vida terrena Cristo reinou servindo e doando-se na cruz por nós. Será
que aprendemos a lição e sabemos, também nós, reinar como Ele reinou,
colocando-nos a serviço dos irmãos e assumindo nossa cruz de cada dia com
espírito de louvor e ação de graças? Será que nos submetemos à doce Lei de
Nosso Rei que é o Evangelho?
Que a liturgia de hoje seja para nós não
somente uma proclamação da realeza de Jesus, mas seja também uma realização
dessa realeza nas nossas vidas. Que o Espírito Santo do Senhor nos renove
interiormente a fim de que, proclamando Cristo como Rei do Universo, possamos
deixar que Ele reine também em nossas vidas e em nossos corações.
[1] Textos eucológicos são textos litúrgicos não-bíblicos,
como as orações eucarísticas, os prefácios e os formulários da Missa com as
orações coleta, sobre as oblatas e pós-comunhão, por exemplo.
Fonte:
http://arqrio.org/formacao/detalhes/1519/ja-reinamos-com-cristo
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